sexta-feira, 26 de abril de 2013

Diversificar para investigar

por
João Pires da Cruz
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Quando há quase 3 anos decidi enveredar por um doutoramento em Física para enriquecer a minha formação científica, tinha a ideia de que os meus colegas mais novos (20 anos mais novos!...) recorrem a um apoio financeiro vulgarmente conhecido por bolsa.

Pensei que não seria justo que eu recebesse esse tipo de apoio monetário, atendendo que os meus rendimentos, apesar de não serem fixos, serem algo superiores àquilo que os meus colegas recebem. No entanto, achei-me no direito de receber pelo mesmo preço os serviços associados, isto é, que me fosse atribuída uma bolsa em que as propinas fossem cobertas, bem como as deslocações a conferências para apresentação dos trabalhos. E, para tal acontecer, recorreria àquilo a que se chama de “doutoramento em ambiente empresarial” (se não é exactamente este o nome, será qualquer coisa com esse significado). E decidi pedir aos serviços da empresa que investigassem nos organismos responsáveis os passos para aceder a essas bolsas.

Passados uns dias, os serviços da empresa disseram-me que para os organismos oficiais me concederem a honra de acesso a candidatar-me à bolsa, eu teria que fazer um acto público de renúncia à gerência da empresa. Perante tal imbecilidade, ataquei o mensageiro dizendo que de certeza que tinham entendido mal. O que é que tem a ver o facto de ser accionista ou gerente de uma empresa com o facto de querer tirar um doutoramento? Porque é que o serviço não me era prestado da mesma forma que era prestado aos meus colegas mais novos se nem sequer estava a pedir dinheiro para mim? A verdade, é que foram os organismos oficiais que informaram a empresa de que isso seria assim e até apontaram o artigo da lei que diz exactamente que pessoas ligadas aos órgãos de gestão da empresa não poderiam aceder às bolsas de doutoramento na empresa.


Estou a contar o meu caso pessoal para me referir à discussão sobre as despesas em investigação tecnológica. Embora o meu caso possa parecer anedótico (que é), revelador do espírito burocratizador do estado (que é) e absurdo quando se junta às notícias sobre o nível de escolaridade do empresariado nacional (que é), a verdade é que bem podemos usar uma expressão muito usada pelos meus amigos da extrema esquerda para a caracterizar: “É todo um programa!”. E é todo um programa por encerrar em si mesmo um conjunto alargado de preconceitos que estão encastrados no legislador português e que, no fim-do-dia, não é só o que nos diz da investigação, mas também de toda a despesa.

Porque é que, sendo parte da gerência não posso ter acesso a uma bolsa de doutoramento? Não é difícil entender os motivos do legislador. Porque iria usá-la para fins que não são os indicados. Porquê? Porque senão não ocuparia um cargo de gerência, e alguém com um cargo de gerência não precisa de um doutoramento para nada. Porquê? Porque ciência é aquela coisa que se faz em locais sérios e uma empresa não é um local sério. Porquê? Porque um local sério é um sítio em que os investigadores, imbuídos de um espírito de sacrifício sem par, abdicaram de uma vida de luxo e fausto em prol do conhecimento, em troca de um misero ordenado de topo na função pública. Acima de todos os outros funcionários, mas claramente abaixo daquilo que o seu divino intelecto justificaria. Com mais ou menos ironia, foi exactamente este o pensamento do legislador porque não é possível que tenha chegado à conclusão de que a gerência aplicaria mal a bolsa por uma questão de verdade estatística. Infelizmente para todos nós, o número de pessoas nas mesmas condições deve ser de ...0. Foi tudo uma questão de preconceito. O que nos leva ao fundamental deste artigo.

Todos temos visões diferentes daquilo que é investigação. Aquilo que me parece óbvio é que é um negócio de carteira (se não fosse um negócio, os investigadores trabalhariam de borla). Sempre foi assim encarado na empresa onde exerço funções e deveria ser assim entendido pelo estado. Num negócio de carteira assume-se a diversificação porque se sabe que o risco é elevado. Por isso reúne-se um conjunto alargado de negócios com características diferentes. Na disciplina, no tipo de organização, nos recursos humanos, na forma de pesquisa, nos objectivos,etc. Se não for na Física, será na Medicina, se não for atómica será molecular, se não for fundamental, será tecnológica. Importante é que das 100, haja uma que pague as outras 99 e, destas, se tire algum activo, se possível pessoas com formação.

A óptica do legislador português é diferente. É fazer-se na boca da universidade, com professores da universidade e com alunos da universidade que depois se farão professores e fecharão o ciclo. E este é um caso de enorme sucesso dentro destes mesmos preconceitos. Em termos de publicações, citações, prémios, docs. Pos-docs, colaborações, etc. Em todas as métricas da economia científica, o caso português é um sucesso. Mas estamos a falar de pessoas no percentil 99 da inteligência humana, não se esperava que não soubessem cumprir estes objectivos. O problema é que os objectivos estão errados, nada nesta economia científica é compatível com a economia de facto.

Qual o custo de oportunidade para a economia real de levarmos as pessoas mais capacitadas para a economia científica? Mesmo que a economia científica se possa sustentar financeiramente com recurso a financiamentos europeus, à economia real são retiradas as melhores pessoas e as mais qualificadas porque, como vimos antes, as pessoas que podem ter 3 graus académicos só o podem fazer em ambiente “sério”. O estado está a contabilizar este custo quando protege os seus centros e laboratórios? Hoje, com a crise financeira e a falência iminente do estado, centenas de investigadores profissionais, ou pelo menos assim se consideravam, estão na eminência de entrar no mercado de trabalho com doutoramentos, uma dezena de anos de experiência na economia científica, 34 anos de idade e ZERO de experiência em economia real. Este custo foi contabilizado pelos burocratas estatais quando protegeram os centros do estado?

Diversificação é a palavra. O primeiro passo em prol de uma economia inovadora é acabar com o concentração no estado da investigação científica. A defesa da investigação deve ser feita acabando com as burocracias da investigação, deixando as pessoas fluir na economia. Vai haver espaço para investigação fundamental(*) como para aplicada, para laboratórios do estado e para empresas, para físicos e para economistas. Mas tem que haver diversificação para ser sustentável. Se não houver aquele caso na carteira de 100 que pague os demais 99 e se, ainda por cima, estamos a retirar os poucos activos que possam ser produzidos da economia real, então vamos ter que acabar por escolher entre investigar e dar de comer. E a escolha vai ter que ser “dar de comer”. Mas não é a inovação e investigação científica o motor do desenvolvimento da economia? Bem, dos outros é....


(*) Eu sou estudante de doutoramento no Centro de Física Teórica e Computacional da Universidade de Lisboa onde umas dezenas de investigadores, dos melhores que o mundo tem, me aturam e me pagam as viagens às conferências que me foram negadas pelos organismos próprios. A minha tese é sobre Economia e para isso tenho que investigar em Física Teórica. A teoria de uma coisa é a aplicação de outra. Eu não faria a distinção que é feita no manifesto, não é esse o problema de sustentabilidade da ciência nacional.

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