segunda-feira, 15 de abril de 2013

O objectivo e o meio

por
João Pires da Cruz
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Se o estado cobrasse um euro por cada vez que alguém diz que a redução da despesa deve ser estudada primeiro, porque há despesa boa e má, certamente a questão da dívida já estava resolvida. Isto porque os meus amados concidadãos insistem em confundir o objectivo, com o meio.

Se há função do estado com que (quase) todos concordamos é na protecção dos cidadãos mais fracos e, dentro desta, a entrega de educação aos mais novos é algo relativamente consensual. Repetindo para dar mais ênfase, a entrega de educação aos mais novos. Não é pagar professores, não é dar dinheiro aos pais, não é financiar escolas. É entregar educação aos mais novos.

Nesse sentido, parece-me algo absurdo dizer-se que reduzir o orçamento da educação é atacar as funções do estado. Na verdade, o que é atacar as funções do estado é entregar menos educação, não é pagar menos. Como digo muitas vezes entre os meus amigos, podemos passar a investir o dobro em educação já amanhã, basta reduzir os salários dos professores para metade e contratar outros tantos (passo o exagero da imagem).


Agora que tenho a atenção do leitor depois desta entrada de choque, gostava de sublinhar a parte deste manifesto referente à educação. Sem entrar em grandes detalhes, demonstra-se que a redistribuição da riqueza pelo estado não é feita distribuindo dinheiro, mas entregando serviço de valor. A educação, a segurança e a saúde, são os três factores que tornam de cada um dos cidadãos uma entidade económica mais valiosa. E um conjunto de entidades económicas mais valiosas geram um todo social com um maior bem-estar. Por isso, aquilo que se investe na educação não são só uns milhares de milhões de euros por ano. É, também. um ano de mais de um milhão de cidadãos portugueses, a maior parte menores de idade, que não é recuperável nunca mais. Esse é o investimento total do país no sistema educativo, cujo produto final não é o sistema em si mesmo, é cidadãos educados.

Quando no manifesto se faz referência aos gastos na educação - e que eu subscrevo inteiramente – devemos pensar que, mesmo assim, o dinheiro é a menor das perdas. A referência que é feita à qualidade daquilo que é entregue é, muito provavelmente, a parte de leão da despesa pública portuguesa em termos de valor presente: os milhões de horas dos nossos cidadãos mais novos que são desperdiçados e que não voltam mais. Estará o leitor a pensar que a culpa é deste, daquele e do outro que fez a Parque Escolar. A verdade é que enquanto inventariamos culpas, seleccionamos reformas e negociamos descontos, lá foram hoje mais 6 milhões de horas de estudo para o lixo. Se valer um euro cada uma...

Poderíamos ter o melhor dos sistemas educativos do mundo? Sem dúvida. O facto é que não temos, temos dos piores. E não podemos ter com notícias que 58% dos professores tiveram de baixa no ano passado, que a culpa é dos pais que não educam os filhos (como se eu pagasse um sistema público para este servir apenas para os filhos de pais doutorados...), com três ou quatro períodos de greve anuais, etc. Mas o nosso sistema educativo não produz dos melhores alunos do mundo? Sem dúvida, como as lixeiras da Cidade do México produzem os corpos mais saudáveis do mundo. A selecção natural é um processo de optimização universal. Mas nós não temos um sistema público de educação para seleccionar os excelentes, temos um sistema público de educação para fazer excelentes. Não dos filhos cujos pais coleccionam graus académicos, porque estes teriam sempre educação, mas dos outros.

Não tenho grandes dúvidas que a educação sempre foi a razão do baixo valor económico entregue pelo estado e que o nosso problema se resolvia, em grande parte, resolvendo o problema da educação, quer nos gastos excessivos em euros, quer perdas de vidas de qualidade. Um sistema público de educação faz sentido se cumprir o objectivo de entregar educação e, se o estado o soubesse fazer, não estaríamos a subscrever manifestos. Como parece óbvio que não consegue, então entregue-se a quem o saiba. Porque o meio para o fazer é verdadeiramente irrelevante.

2 comentários:

  1. A educação (escolar) sofre do mesmo problema que muitas outras áreas da função do estado no modelo social adoptado que passa pela conveniente mistura entre formação e empregabilidade. A premissa para começar a resolver verdadeiramente o problema (se é que alguém o quer verdadeiramente resolver) passa por separar a questão de uma consistente e eficaz formação escolar, e a outra de clarificar de forma inequívoca até onde estado pode ser um empregador coerente e sustentável.

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  2. Grato pelo seu comentário, António. Aquilo que acho é que um modelo social tem objectivos sociais(diria eu...). E, por mais que procure, não consigo perceber onde é que o objectivo do estado é social porque as pessoas que recebem do estado à conta desse objectivo estão muito melhor colocadas que as pessoas que deveriam receber o objectivo do estado. Uma greve de professores fala muito mais alto que todos os votos dos eleitores. Isso para mim chega para demonstrar que há um objectivo social nos eleitores que não chega ao estado.

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