O Manifesto


Despesa Pública menor para um Futuro melhor


A diminuição da despesa pública:
contribuição para que não seja um acto falhado


1. Os Programas (do PSD e do CDS) e a prática (do Governo)
A diminuição drástica do nível incomportável da despesa pública atingido em 2010 era um dos principais objectivos de política constantes do programa eleitoral do PSD. Tratava-se de uma opção estratégica de fundo, como forma de “restaurar a credibilidade financeira, reduzir o endividamento e o défice externo, fomentar a produtividade e a competitividade”. Preconizava o PSD uma actuação sobre a despesa que possibilitasse a diminuição da sufocante carga fiscal, inibidora do investimento e do crescimento da actividade económica e do emprego.
Por seu turno, também o manifesto eleitoral do CDS destacava que “todas as componentes da nossa despesa pública têm de ser alvo de um esforço de redução…”. Mais referia que, “se a dívida é a questão prévia, o crescimento é a questão central”, pelo que preconizava um quadro variado de medidas dirigidas ao dinamismo e competitividade da economia, incluindo a “competitividade fiscal”.
A verdade é que, passados estes vinte meses de governação, o que os cidadãos efectivamente sentem é um aumento brutal da carga fiscal, isto é, sentem que cada vez pagam mais, sem verem, de forma palpável, a contrapartida de o Estado gastar menos. O Governo e os partidos que o apoiam, tendo tido que fazer face aos efeitos fiscais da contracção da economia, deram uma resposta unilateral centrada novamente num ainda maior esforço contributivo dos sacrificados do costume – um aumento colossal –, em lugar de avançarem com maior vigor para a redução da despesa pública e a reforma do Estado, como o quadro geral claramente exige.
É facto que a despesa pública diminuiu efectivamente em 2011 e 2012, tendo caído a Despesa Total de 51,3 % do PIB em 2010 para 45,6% do PIB em final de 2012. Mas não se tratou de uma diminuição de natureza estrutural. Neste contexto, é sintomático que o Orçamento de 2013 preveja já uma nova subida da despesa da ordem dos 2,5 mil milhões de euros e também do seu peso no PIB. O que torna imperioso um trabalho sério de reforma do Estado com redução significativa do seu peso estrutural nas finanças públicas, sem o que o garrote fiscal sobre os indivíduos, as famílias, as empresas, não cessará de apertar-se. Por isso, e depois da significativa subida em 2012, o novo e “enorme aumento de impostos” constante do OE para 2013 é uma realidade que sobrecarrega os cidadãos, acompanhado ainda de sacrifícios adicionais e desproporcionados que têm recaído sobre muitos reformados.
O aperto fiscal que se abateu sobre a generalidade dos cidadãos explica uma parte do crescimento do desemprego. Se o dinheiro vai para o Estado, não sobra para os serviços do sector privado que criam emprego.
Em síntese, os efeitos da política governamental foram no sentido contrário do preconizado no programa dos partidos que apoiam o Governo: a fiscalidade aumenta como suporte à não redução adequada da despesa. E, assim, a carga fiscal vem inevitavelmente originando a necessidade de mais carga fiscal, num círculo vicioso que só poderá ser quebrado pela redução da despesa.
Pelo que se torna cada vez mais imperioso que o Governo deixe de actuar (usando uma frase estafada, mas nem por isso menos verdadeira) como sendo forte com os fracos e fraco com os fortes e que os cidadãos se apercebam dessa mudança, a vejam e sintam.
Porque o que os cidadãos efectivamente sentem é o brutal aumento da carga fiscal, sendo que, por outro lado, se deparam com a benevolência no tratamento de interesses há muito protegidos ligados a sectores dos bens não transaccionáveis, como é o caso dos que usufruem de rendas excessivas. Urge corrigir a situação, quer pela seriedade da questão em si mesma, quer como exemplo claro e indesmentível de que o Governo não faz excepções, nomeadamente diante dos mais poderosos e influentes. Sendo que os signatários até consideram que o Governo, ao ter iniciado funções numa situação de emergência nacional, deve ter em princípio o apoio de todos os cidadãos de boa vontade.


2. A despesa pública
Regista-se que o Governo conseguiu, em 2011 e em 2012, uma importante redução de cerca de 13 mil milhões de euros na despesa pública, traduzida numa quebra de mais de 5 pontos percentuais do seu peso no PIB.
Todavia, este facto não foi o efeito de uma profunda reforma do Estado com impactos estruturais e duradouros, mas resultou de um somatório de intervenções várias cujo efeito se esgotou, ou, então, deveu-se a medidas transitórias que, terminado o seu efeito, reproduzirão nos anos seguintes os montantes anteriores. Para além de que parte substancial de muitos dos cortes (nos “subsídios”, nos salários e nas pensões) é equiparável a impostos muito reais, e como tal são efectivamente sentidos pela generalidade dos portugueses. A redução da despesa só produzirá efeitos úteis e duradouros, se resultar de reformas estruturais e de melhorias de gestão do Estado e das Administrações Públicas.
Para que qualquer política resulte, o cidadão tem que sentir que são tomadas verdadeiras medidas e que subidas de impostos só têm como justificação última o facto de se terem esgotado os remédios com vista à diminuição da despesa - o que está longe de acontecer, estando as pessoas convencidas de que pouco foi feito; e que o Governo ainda não atacou os problemas de fundo.
De facto, crê-se que o Governo ainda não abanou sequer o Estado paralelo, constituído por um número infindável de organismos que gravitam ao lado da Administração Pública clássica: institutos, fundações, entes públicos empresariais, empresas públicas, empresas regionais e municipais, estruturas de missão, agências, comissões ad hoc.
Por outro lado, se é verdade que o Governo iniciou algumas reformas, o facto é que deixou a meio algumas das mais importantes, não as levando até às últimas consequências. É o caso do critério de intervenção nas empresas públicas municipais ou regionais, que levou a que menos de metade venha a ser encerrada, se o for; ou do critério utilizado no que respeita às fundações, institutos e observatórios; ou da reestruturação dos transportes, onde pouco foi feito; ou da escassa intervenção nas rendas das energias renováveis que garantem aos produtores rendas extremamente altas, pagas pelos consumidores, e cujo processo foi limitado ao mínimo; ou das PPP, cuja reformulação completa ainda nem se terá iniciado.
E no que respeita à diminuição dos custos intermédios da Administração Pública não se encontrou ainda evidência do seu necessário decréscimo, apesar dos esforços já feitos.
Deste modo, e uma vez que ainda se está em pleno processo de ajustamento das contas do Estado, com a redução do défice orçamental para 0,5% do PIB em 2016, é essencial identificar as rubricas da despesa pública que podem ser reduzidas. É por isso mesmo que se entende perfeitamente que o Governo, embora algo tardiamente, considere agora como prioritária a redução da despesa pública.


3. As rendas ilegais e excessivas na energia
a. As rendas ilegais dos CMEC e dos CAE
O sector eléctrico nacional acumulou um défice tarifário que se aproxima dos 4 mil milhões de euros, devido essencialmente ao pagamento de ajudas de Estado a empresas detentoras do monopólio de produção quando se concretizou a liberalização do sector, mantendo assim as rendas que auferiam em regime de monopólio, já após a abertura à concorrência do sector.
Essa situação ilegal face à lei de concorrência comunitária foi obtida pela distorção das condições de aplicação da Decisão da Comissão sobre Auxílios de Estado N 161/04, de 22.9.2004, que as permitiria dentro de condições muito específicas que se não verificaram. Essas ajudas seriam excepcionalmente aplicáveis, se as empresas em causa estivessem ameaçadas de insolvência, devido a uma quebra dos preços de electricidade no seguimento da liberalização, só se aplicaria a activos não amortizados e seria objecto de um relatório anual que permitisse à Comissão monitorizar a evolução dessas ajudas.
Nenhuma destas condições se verificou, pelo que a inclusão dos CMEC (Custos de Manutenção dos Equilíbrios Contratuais) e dos CAE (Contratos de Aquisição de Energia) nos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) é um desvio de recursos directo e ilegal dos consumidores para os accionistas das empresas beneficiárias, ao arrepio das regras da concorrência.

b. As rendas excessivas dos PRE (Produtores em Regime Especial)É facto assente que a opção do Governo socialista pelo desenvolvimento das energias renováveis intermitentes, particularmente das eólicas, levou a consentir aos investidores rentabilidades excessivas (e, ainda por cima, contratualmente bem salvaguardadas), face ao risco negligenciável do negócio.
Na verdade, o sobrelucro retirado pelos produtores beneficiados com rendas excessivas constitui um verdadeiro atentado à competitividade da economia, pelo sobrecusto que trazem às empresas. Para além de constituírem para os seus beneficiários um enriquecimento desproporcionado face ao risco incorrido, proporcionando-lhes assim um verdadeiro enriquecimento sem causa.
Sentindo o facto, iniciou o Governo negociações com os produtores no sentido de reverter a situação. Tendo entrado no processo, competia ao Governo minimizar o efeito de tais rendas sobre a economia e os consumidores. Lamentavelmente, os resultados conseguidos foram modestos: um acordo com os produtores de energia para cortar 1,8 mil milhões de euros de rendas excessivas, até 2020, referentes a apoio das renováveis, cogeração e garantia de potência ficou longe do desejável e até aquém do inicialmente proposto.
Eram conhecidas as dificuldades do Governo na negociação, já que, numa política não só muito pouco sábia como, até, muito imprudente, resolveu tirar partido da situação das rendas excessivas na última fase de privatização da EDP, ao manter nos cash-flows que levaram à avaliação e à fixação do valor de venda o efeito positivo dessas rendas (que, aliás, os investidores de outras fases da privatização também pagaram e o Estado embolsou). Claro que esta opção condicionou logo, e de que maneira, as negociações com os operadores. Pior do que isso, as posteriores declarações de membros do Governo foram no sentido de afirmar o êxito das negociações, o que pode dificultar ajustamentos futuros que, aliás e naturalmente, a troika continua a exigir.
Alguns chamam a atenção para que uma rescisão dos actuais contratos de produção de electricidade poderia implicar um eventual risco de aumento pontual da despesa pública, na medida de eventuais indemnizações a que pudesse haver lugar. Porém, desde logo, esse risco não se corre quanto àqueles casos em que haja clara ilegalidade (CMEC e CAE) e, por outro lado, em geral, ao permitir uma redução substancial dos preços da electricidade, resultará em benefícios poderosos para a economia, além do efeito de exemplo e da demonstração de que não há excepcionados no esforço geral de moralização e racionalidade económica na gestão da coisa pública.
O Governo não teve seguramente aqui a determinação que revelou no aumento dos impostos e em medidas desproporcionadas aplicadas a pensionistas, aposentados e reformados.


4.Para uma política de diminuição da despesa perceptível pelos cidadãos
4.1 PPP, SCUT e Auto-Estradas
O problema das rendas excessivas não aparece somente ligado ao sector da energia eléctrica. As rendas excessivas estão também patentes nos contratos das SCUT (estradas Sem Custos para o Utilizador) e de outras grandes obras na rede viária em regime de PPP (Parceria Público-Privada).
Também neste domínio o Governo iniciou negociações com os operadores de forma a minimizar os custos. Todavia, e tanto quanto se sabe, essas negociações apenas abrangem o corte em novas obras ou em serviços de manutenção contratualmente previstos, não tendo ainda chegado ao cerne do problema, isto é, à renegociação das rentabilidades face ao risco. Torna-se necessário concretizar uma decidida acção no sentido de rever os contratos, sobretudo no que se refere a este último aspecto, corrigindo rentabilidades excessivas, porque imunes a risco, de que diversos operadores usufruem.
É esta uma maneira que o Governo tem de contrabalançar as portagens impostas aos utilizadores, mostrando assim o bom êxito de um processo de repartição dos sacrifícios.

4.2 Educação e Saúde
Segundo dados coligidos pelo Projecto Farol, o custo por aluno no ensino secundário aparece nos lugares cimeiros da OCDE, e o número de alunos por turma está dentro da média apurada por aquela instituição. Contudo, as taxas de insucesso colocam Portugal nos últimos lugares de um ranking de 36 países estudados por aquela organização.
Conclui-se assim que o sistema educativo português, com uma base de financiamento similar à dos países da OCDE, apresenta resultados bastante abaixo da média. O que significa que não é mais dinheiro que vai resolver os problemas da educação e é noutras vertentes que está a solução do problema.
Por isso, há que desmistificar a argumentação de que mais e melhor educação se resolve simplesmente com mais dinheiro, mais professores, menos alunos por turma, como tem sido veiculado pelo lóbi dos professores e da chamada “escola pública”.
Isso seria negar qualquer ideia de produtividade, a de ensinar melhor com menos dinheiro. E isso é possível, reorganizando, dando efectiva e competente liderança às escolas, adequando as turmas aos recursos disponibilizados. E consolidando nas escolas a cultura de auto-exigência e de prestação de contas.
Por seu turno, na área da Saúde, é imperioso abandonar os tabus e preconceitos de império absoluto da exclusiva prestação pública dos serviços e abrir o espírito à boa e cada vez melhor articulação e versatilidade de redes e sistemas mistos de prestadores públicos e privados, que garantam o maior acesso de todos ao menor custo global: a melhor forma de garantir a universalidade, sem prejuízo de garantir também a gratuitidade a todos os carenciados.
Havendo iniciativa particular disponível, de génese empresarial ou social, não há razão para a discriminar e excluir das redes de prestação de serviço público; pelo contrário, e como o recente exemplo do modelo escandinavo bem evidencia, são bem significativas as vantagens decorrentes do enquadramento e estímulo aos agentes privados.
A Rede Pública de Educação e o SNS deverão então encaminhar-se para modelos compreensivos – e não exclusivos – integrando, com paridade de condições e sob comum fiscalização e regulação pelo Estado, actores públicos e privados, visando o mesmo fim: a garantia pública e universal do acesso nas melhores condições aos bens fundamentais da educação e da saúde.
No âmbito específico da Educação, a descentralização de competências e da gestão, a consolidação e aprofundamento do modelo dos actuais contratos de associação, ou a introdução do cheque-ensino, ou a privatização ou concessão de algumas escolas públicas nos níveis da escolaridade obrigatória e no pré-escolar, são alguns dos caminhos possíveis para assegurar a manutenção e a melhoria da qualidade do ensino com aumento de eficiência e redução de custos, encargos e peso administrativo.

4.3 Estruturas sobrepostas que produzem o Estado paralelo
Pelas mais variadas razões que não vem ao caso explicitar, foram-se criando estruturas de administração sobrepostas, que levaram à constituição de um verdadeiro Estado paralelo. Estas estruturas foram proliferando com diversas denominações: agências, institutos, áreas de missão, empresas públicas, municipais e regionais, fundações, etc., etc. Em geral, levaram à admissão de mais pessoas, à utilização de mais instalações, a maiores custos. As próprias Entidades Reguladoras, que exercem funções e poderes por delegação do Estado, aproveitaram a autonomia de que gozam para se expandirem para além do razoável, não prestando um serviço com a qualidade e celeridade que se exigiria. Obviamente que a alegada “complexidade” destes processos é a forma de justificar uma estrutura técnica pesada e, por isso, custosa.
Todavia, existem outras facetas deste Estado paralelo, por certo mais escondidas, mas ainda mais reveladoras de uma situação que urge alterar radicalmente. Conselhos de opinião e entidades similares constituem, a mais das vezes, órgãos geradores de mais burocracia; desacrescentam valor, em vez de o acrescentar. Dá-se como simples exemplo, o do Conselho de Opinião da RTP, um entre outros órgãos que proliferam na imbricada floresta orgânica e burocrática, e que deveriam ser liminarmente extintos, competindo à sociedade civil constituí-los na relação livre com esses entes públicos, se nisso visse necessidade ou conveniência.
No seu conjunto, existem cerca 13.000 entidades que vivem, total ou parcialmente, do Orçamento do Estado. A análise cuidada destes variados organismos, permitirá seguramente identificar os que podem ser reduzidos, fundidos ou extintos.
Seria recomendável uma reforma caracterizada pela verticalização da Administração Pública. Esse esforço de verticalização deve começar pelo emagrecimento drástico dos gabinetes governamentais, eliminando uma como que “película dirigente” que separa o Governo das estruturas superiores da Administração Central, uma verdadeira “administração paralela” acima dos serviços da Administração Pública, tudo resultando em ineficiências, duplicações e contradições, desmoralização e falta de rumo.
Por outro lado, o esforço de verticalização deveria prosseguir com o regresso à Administração directa do Estado de funções que foram sendo dispersas por uma infindável variedade de organismos da Administração indirecta. Na verdade, a experiência comprovou que só devem ser confiadas a entidades separadas do tronco da Administração Central e dotadas de autonomia administrativa e financeira aquelas tarefas e funções em que tal se justifique inequivocamente por razões de superior interesse público; e, por outro lado, devem corresponder sempre a um elenco contido e limitado de organismos e estarem sujeitos a regras muito exigentes de gestão.
Atendendo ao valor das dotações recebidas anualmente pelos institutos públicos, uma primeira abordagem levou a constatar que uma redução entre 10% e 50%, consoante os casos, poderia proporcionar uma redução na despesa pública similar à que agora vem sendo apresentada como objectivo.

4.4 Fundações
Foi o Governo que colocou alta a fasquia quanto à extinção de fundações e consequentes poupanças. Até por isso, importa não frustrar a expectativa criada: a opinião pública quer efeitos reais na redução significativa do gasto público e na eliminação dos abusos. Importa, ainda, com respeito da Constituição, não vacilar por haver regiões autónomas e autarquias que consideraram abusiva a "recomendação" do Governo quanto a entidades sob sua responsabilidade e continuar a alimentá-las com dinheiro dos contribuintes – a lei é igual para todos.
É imperioso que o saldo final da acção governamental não seja visto como curto ou contraproducente. Por um lado, não pode desacreditar-se indiscriminadamente as fundações, denegrindo-se um bom conceito de organização e mobilização da sociedade civil; e, por outro, há que agir com vigor e rigor sobre as que constituem verdadeiros abusos ou os alberguem.
Reconhece-se que o Governo empreendeu, pela primeira vez, um recenseamento da situação existente que, independentemente de alguns erros pontuais, valerá pelos efeitos a que conduzir num universo que era muito obscuro. E saúda-se o conjunto de medidas identificadas em recente Resolução do Conselho de Ministros. Todavia, quanto às 423 fundações que constituíram o objecto directo desta, decidiu-se apenas a extinção de três, o cancelamento da utilidade pública a outras tantas e a cessação completa de apoios públicos a uma dezena, ao mesmo tempo que se apurou a irregularidade de constituição de quinze, cancelando-se o respectivo registo. Quanto às demais, ou não foram objecto de quaisquer medidas (naturalmente por se ter verificado que estava tudo certo), ou aplicou-se-lhes generalizadamente um corte transversal nos apoios públicos da ordem, em geral, de 30%.
É fundamental que o Governo não descanse nesta frente de acção, continuando de modo persistente: a separar criteriosamente o trigo do joio; a proteger o conceito genuíno de fundação como importante instituição da sociedade civil, para mobilizar recursos e patrimónios privados em fins de interesse público, ou como instrumento de políticas públicas, nomeadamente nas áreas da solidariedade social ou da cultura; e a eliminar todos os abusos e clientelas instaladas, cortando apoios públicos às fundações privadas (que devem obter e gerir os seus próprios fundos privados) e ordenando a extinção, ou a retirada da utilidade pública, ou o cancelamento de benefícios, sempre que constate desvio de fim, ausência de utilidade social relevante ou outro tipo de irregularidade grave.
Não é tolerável abusar da figura de Fundação; não é admissível gastar dinheiro público, nem atribuir benefícios para fins exclusiva ou predominantemente privados protagonizados indirectamente por Fundações. E também se recomenda que, no futuro, em lugar do corte percentual uniforme nos apoios, se desenvolvam linhas criteriosas e dirigidas, baseadas em razões compreensíveis de política pública, sector a sector e fundação a fundação.

4.5 Observatórios
Os Observatórios constituem um dos mais notáveis frutos da forte dinâmica reprodutiva dos burocratas. Depois de terem enxameado até ao limite tudo o que era sítio ou lugar ocupável, depois de duplicarem estruturas, agora dedicam-se a observar os outros burocratas.
Não se conhece ao certo quantos são e o que efectivamente fazem. Foi recentemente publicada uma lista dando conta de 109 Observatórios, mas há quem diga que a lista atinge os duzentos. Observam-se os fogos e as cheias, as artes e as tradições, o sexo e a estatística, a iliteracia e os medicamentos, o arroz, a natureza, os robots e a astrofísica. E o Observatório da Economia Paralela e da Fraude consegue a proeza de medir a economia paralela e a fraude até ao nível das décimas!. . .
São financiados directamente pelo Estado ou indirectamente, através de Institutos, Universidades, Centros de Investigação, etc. Alguns agrupam dezenas de investigadores, da sociologia ao direito, da psicologia à economia.
Não se conhece que algum tenha perdido o financiamento estatal. Há que agir.

4.6 Sector Empresarial do Estado, privatizações, concessões, subsídios, indemnizações compensatórias
O Sector Empresarial do Estado, nomeadamente o que está directamente afecto a um serviço público, como o dos transportes, vem sendo uma fonte de prejuízos, com incidência relevante no aumento da despesa pública.
Torna-se urgente a reversão desta situação, privatizando as empresas privatizáveis, concessionando o serviço nos casos em que não se torne viável a privatização, reorganizando e reestruturando nos restantes casos.
O grande problema das empresas públicas é a sua instrumentalização (para fins eleitorais ou colocação de quadros partidários como recompensa pelos serviços prestados), exigindo-se-lhes um nível de serviço público para o qual não são dotadas de meios e colocando muitas vezes à sua frente quem pode conviver pacificamente com essa situação.
Depois destes meses todos de reestruturação dos transportes, o que do sector se conhece são as constantes greves que infernizam a vida dos cidadãos e debilitam a economia. Mais uma vez, aqui, o Governo fica com o ónus e não retira o correspondente proveito.
No mínimo, há que estabelecer contratos-programa que definam o nível de serviço, o montante e forma de financiamento, os direitos e obrigações dos gestores e das empresas. E, não sendo possível prover ao financiamento necessário a determinado nível de serviço, haverá que adequar este ao financiamento possível, recorrendo nomeadamente ao princípio utilizador/pagador.
Aliás, o elevado montante de subsídios estatais, bonificações e indemnizações compensatórias vem impedindo a optimização na utilização de recursos. Impõe-se a eliminação das despesas daquela natureza que não apresentem uma clara justificação social. Por outro lado, também deve ser revista a política quanto a bonificações de juros: por exemplo, as despesas com bonificações de juros para a aquisição de casa própria totalizaram algumas centenas de milhões de euros, um valor que se afigura um exagero.

4.7 Prestações sociais
As prestações sociais representam, em 2013, 48% do total das despesas públicas. Devido ao valor significativo que atingem, não será possível reduzir e limitar a despesa pública sem reduzir também o peso das prestações sociais.
O problema é de enorme seriedade e dificuldade, dado tratar-se de uma área de grande sensibilidade social, quer por envolver situações da maior carência, quer por conter os direitos dos que descontaram anos a fio na expectativa das pensões de velhice, entre outros direitos compreendidos nos regimes contributivos previdenciais.
O Governo não começou bem, ao enfrentar as primeiras situações de emergência financeira, optando por atingir de forma desproporcionada alguns dos mais velhos, mais a mais sem justificações solidamente fundamentadas. O esforço nacional de equilíbrio das contas públicas tem a sua sede privilegiada na aplicação uniforme do IRS tanto a activos como a reformados, sem qualquer discriminação.
Além do mais, e entre todas as opções de reforma do regime de pensões, o Governo deve privilegiar as que apontam para a elevação da idade de aposentação, em lugar das que cortam no valor das pensões correspondentes aos descontos efectuados. A primeira medida é sentida como justa e adequada, a última como injusta e excessiva. E deve privilegiar também as alternativas que incidem nas opções do próprio trabalhador, traduzidas em trabalhar um pouco mais de tempo, ou reformar-se com uma pensão inferior.
Também a incidência dum factor de sustentabilidade assente nos indicadores demográficos e na esperança média de vida, aplicável a todas as pensões, incluindo as já atribuídas, assim como a introdução de coeficiente de variação no valor de todas as pensões de reforma, também incluindo as já atribuídas, em função da variação do PIB por períodos de três ou cinco anos (cada pensão seria mais alta em períodos de crescimento económico e mais baixa em tempo de baixo crescimento ou de recessão), poderiam merecer ampla aceitabilidade social.
Uma reformulação mais global do sistema de reformas, incluindo a convergência entre o sistema geral e a CGA ou a ponderação dos montantes que foram usados para suportar os regimes não contributivos e prestações de solidariedade ou a ponderação de quaisquer outros fundos retirados do seu uso previdencial, ou o plafonamento do sistema de pensões, e compreendendo cálculos actuariais rigorosos, ajustados ao quadro demográfico presente e previsível, deve ser objecto de amplo consenso e exige um estudo sério e debate profundo em ordem à sua implementação em prazo útil e de modo duradouro.
Voltando ao imediato, outras medidas são possíveis: a melhoria na gestão das "Acções de Formação Profissional", onde há notícia de desperdícios significativos; ou o aumento das penalizações para apresentação de falsas declarações; ou o alargamento do período de baixa por doença que não beneficia deste subsídio (3 dias), no sentido de reduzir os encargos financeiros gerais e de combater a fraude, reservando o subsídio de doença a períodos mais prolongados de ausência justificada.

4.8 Despesas em Investigação Tecnológica
Vêm proliferando gabinetes de investigação cobrindo todas as áreas científicas. As mais das vezes, não como necessidade sentida, mas apenas como forma de dar emprego a doutorados ou pós-doutorados que já não conseguem encontrar ocupação no ensino universitário - quase sempre, uma situação de precariedade para pessoas de alto nível de preparação científica. Ganharia o país e ganhariam os próprios se, em vez da despesa directa em que o Estado incorre, lhes fossem criados estímulos de reencaminhamento para trabalho nas empresas. Diminuiriam os custos e ganharia a economia.
No caso particular da investigação tecnológica, a situação não é diferente. E os milhões que o Estado gasta nos seus Centros e Laboratórios não têm muitas vezes qualquer efeito positivo na competitividade do sector produtivo nacional.
Os investimentos em investigação tecnológica são virtuosos, importantes e decisivos, se visarem e se concretizarem em inovação, entendida esta como a criação de novos produtos susceptíveis de serem comercializados ou no aperfeiçoamento dos existentes. Pois só esses geram produção, criam emprego, riqueza e desenvolvimento.
Como tal, sem prejuízo do conceito de investigação científica fundamental cujo perímetro terá que ser estrategicamente avaliado, o que se exige é uma investigação tecnológica virada para as empresas, para a inovação, para novos produtos susceptíveis de serem produzidos e comercializados.
Assim, a atribuição pelo Estado de bolsas de pós-doutoramento deve ser restringida exclusivamente a áreas consideradas de interesse vital para o Estado, em termos do exercício de funções de soberania.
Nestes termos, o Estado deveria definir, com carácter de prioridade, uma política pública no sentido de incentivar os seus Laboratórios e Centros de Investigação Tecnológica a estabelecer e dinamizar parcerias com as empresas, com vista a desenvolver programas de investigação aplicada, com objectivos definidos, com prazos estabelecidos, com metas parciais a atingir, com orçamentos aprovados, e com hierarquia definida com a participação das próprias empresas.
Uma investigação tecnológica que não esteja vocacionada para promover de alguma forma a competitividade económica não se justifica face às condições existentes em Portugal.
São os produtos inovadores com acesso aos mercados os que possibilitam margens mais elevadas e consequentemente novos investimentos.
Neste sentido, as Bolsas de Doutoramento em meio Empresarial (BDE), bem como o financiamento adequado dos Programas de Inserção de Doutorados nas Empresas devem ser os objectivos prioritários do Governo.

4.9 Transferências Correntes: Administrações Locais e Regionais
As Transferências Correntes para as Administrações Regionais e Locais incluem verbas que são gastas em diversos tipos de despesas, nomeadamente Despesas com o Pessoal, Consumos Intermédios, Prestações Sociais e Despesas de Capital. Revelando os números não se ter verificado ainda uma diminuição na despesa pública nestas transferências, entende-se que, no seu conjunto, aquelas Administrações poderão ser objecto de redução, sem prejuízo dos importantes serviços prestados às populações. Excepções poderiam ser criadas em situações de emergência civil ou de catástrofe natural.
Embora não directamente relacionado com as transferências correntes, é também absolutamente indispensável que o Estado anuncie que não dará o seu aval às dívidas das empresas municipais, e, até possivelmente, às Autarquias Locais. Uma das razões do aumento excessivo do crédito às autarquias e às empresas municipais é exactamente a convicção generalizada de que o Estado Português garante sempre estes créditos.


5. O cidadão quer ver realizações, não estatísticasA consolidação orçamental está longe de estar concluída, uma vez que o défice estrutural terá ainda de se reduzir para 0,5% do PIB depois de 2016. Considera-se que este objectivo deverá ser atingido essencialmente através da redução das despesas públicas, já que a economia não comporta os tremendos aumentos de impostos verificados nos últimos anos. Para se atingir uma situação sustentável, a médio e longo prazo, devemos reduzir a despesa estrutural primária para 33% do PIB em quatro anos e definir um tecto de referência estável em que, por regra, o total da despesa pública não ultrapasse os 40% do PIB. Acima desses valores, a dívida continuará, com toda a probabilidade, a aumentar em vez de a reduzirmos.
O cidadão o que gosta de ver é obra feita. Gostou de ver auto-estradas, polidesportivos e piscinas, obras públicas de todo o teor e tamanho. Foi-se esse tempo.
Neste momento, a maneira de mostrar obra é dizer onde se cortou na despesa. Não em termos de PIB, que os cidadãos são muito pouco sensíveis e nada mobilizáveis pelo jogo das ponderações e formulações estatísticas, mas em organismos concretos, mostrando onde, quando, como e quanto.
Obviamente que muitos desses cortes produzirão dor, mas substituirão emprego dispensável por emprego virtuoso; aliviarão a carga fiscal, possibilitando investimento e emprego estável e duradouro. Isto é, também aliviarão a dor, cada vez mais insuportável, que os cidadãos e as empresas estão a sentir e sofrer. O Governo tem que escolher.
Reduzir a carga fiscal e tornar atractivo o investimento, também pela eliminação radical dos custos de contexto, propiciando assim o crescimento económico, pressupõe uma decidida redução da despesa. Está aí a sorte dos Governos, o que é o menos, mas sobretudo a dos portugueses, o que é o mais.

31 de Março de 2013